Faixa Bônus é um espaço dedicado a registros sobre assuntos variados, extras do último podcast, comentários sobre filmes, seriados, aquisições e leituras de novos ou velhos quadrinhos, enfim, de tudo, um pouco. Preparados?

***

Nenhum autor no efervescente Universo Marvel dos anos 2000 mexeu mais comigo quanto o Sr. J. Michael Straczynski. É uma afirmação complexa, não é mesmo? Afinal, tivemos o Demolidor de Brian Bendis e Alex Maleev, o Capitão América de Ed Brubaker e Steve Epting, Os Supremos de Mark Millar e Bryan Hitch, Os Novos X-Men de Grant Morrison e Frank Quitely [e Cia. Ltda.], e até o nosso queridíssimo Justiceiro MAX de Garth Ennis & Vários. Não sei bem explicar o motivo, mas tenho lá algumas teorias. Primeiro que o baque do Homem-Aranha foi forte. Muito forte.

Estava habituadíssimo ao sofrimento habitual com Howard Mackie e muito embora aprecie os experimentos de clonagem nos anos 1990, hoje vejo a Era Ben Reilly como um prazer culposo que, dificilmente, voltaria a encarar. Então, quando aquele senhor de nome difícil surge do nada, dirigindo uma Ferrari zerada [John Romita Jr.] habituada a corridas de demolição¹, trazendo novas ideias, temáticas ousadas, tirando o bode da sala e discutindo a relação com elegância… Não demorou e eu já estava digitando o nome “Straczynski” sem uma colinha do lado.

¹ Sgt. Brad ‘Homem de Gelo’ Colbert. Generation Kill, 2008.

A segunda coisa foi Poder Supremo. Desconhecia completamente a premissa do Esquadrão Supremo, de ser uma corruptela da Liga da Justiça dentro da Casa das Ideias. Portanto, era algo novo e sedutor, que repensava os personagens DC numa ótica tão inusitada e inquietante que por dezoito edições, me dei o direito de dar vazão àquele pensamento herético: “isso é bem melhor que o original”.

É claro que o Straczynski, como todo ser humano, viria a me decepcionar. No caso dele, acho que sofreu daquele tipo de miopia autoral que incapacita o escritor de enxergar quando um bom final está à sua frente. Então, o último corte de Poder Supremo poderia ter sido a impactante declaração de Mark Milton ou no Homem-Aranha, o sepultamento de Ezekiel Sims e a constatação de que sua condição totêmica, se científica ou mágica, no final, isso não fazia a menor diferença. Para os dois casos, eram belos encerramentos e, num mundo perfeito, ficaríamos livres do “continua” que nunca continuou ou da reprovação de Gwen Stacy no Teste de Fidelidade.

***

Um bom mantra para copiar e colar na sua vida: se o escritor não consegue por si só eleger um bom final, nada impede o leitor de fazê-lo por ele. Foi o que fiz. Poder Supremo acaba aqui e o Homem-Aranha, idem:

Esse é o único tipo de negacionismo que faz bem para o moral.

***

Aliás, aproveitando o ensejo, parabéns para o leitor que sabe a diferença entre essas linhas Marvel Vintage e Marvel Saga que a Panini vem publicando. Só sei que as duas coincidem por custarem os olhos da minha cara carcomida. A segunda ainda fica comestível através do cupom de “desconto” em 25%, que vire e mexe aparece na loja virtual deles. Como sugeri no texto, não devo voltar para o chá de bebê($).

***

Aos quinze anos de idade, lá em 1962, Peter Parker já era amaldiçoado pela crise de meia idade de Stan Lee, que à época de Amazing Fantasy #15, computava exatos quarenta invernos frios e tenebrosos. É bem curioso imaginar que no run de Straczynski, iniciado em junho de 2001, o Homem-Aranha completaria quarenta anos de criação; e vejam vocês, entre outubro e dezembro de 2003, nas edições #498 a 500, o próprio viveria uma das minhas histórias favoritas do personagem: “Feliz Aniversário”.

Nela, faltando dois dias para o dia do seu nome, Pete se mete numa aventura interdimensional com a participação do Doutor Estranho. No meio de Manhattan, uma ação conjunta dos Vingadores e o Quarteto Fantástico tenta debelar uma invasão dos Acéfalos, que viria a ser um ardil de Dormammu. Ao tentar ajudar o Mago Supremo, o Homem-Aranha acaba, acidentalmente, transportando suas consciências para o que Strange define como:

De início, a projeção astral de Pete tem um vislumbre do futuro e testemunha o dia de sua morte. Posteriormente, vê o dia em que foi picado pela Aranha radioativa; seja no começo ou no fim, ele fica tentado a mudar o curso natural das coisas. Piora quando a psiquê dele precisa fazer uma travessia por toda a sua timeline, até chegar no presente em que se encontrava. Trata-se de uma experiência pesada e dolorosa; daquelas que, guardadas as devidas proporções, algumas pessoas acabam fazendo quando chegam a uma determinada idade ou etapa da vida.

Olhar para trás e passar horas a fio perdido em devaneios de um [ou uns] “e se tivesse sido assim”. Mudar uma decisão ali, outra acolá. Ter dito um “sim”. Ter dito um “não”. Falado. Silenciado. Não ter feito. Ter feito. Se esforçado mais. Nenhum esforço. Algo que tornasse a realidade corrente mais suportável. Uma pista para te fazer dizer em voz alta: “valeu a pena”.

Spoiler: Nunca dá para saber. Você só segue em frente.

***

Na saideira da história, já de volta ao seu tempo, Pete recebe um presente de Strange. Uma caixinha que lhe daria cinco minutos ao lado da coisa que você mais deseja na vida, mas nunca poderá ter. E essa coisa para Peter Parker é o Tio Ben.

Qualquer historinha, por maior ou menor que seja, tem cacife para te afetar de alguma maneira. Tocar numa ferida aberta. Reavivar uma alegria de outrora. E nesse caso aí, me fez lembrar do Senhor Elzinho, minha própria versão do Tio Ben². Falecido em 2013, mas vivinho aqui dentro. E eis o cerne da questão: fico me perguntando qual seria hoje a resposta que eu daria caso o meu avô fizesse a pergunta do último balão acima. Seria parecida com a do Pete? Espero que sim.

² Ou Jonathan Kent.

De todo modo, hoje, 23 de novembro de 2020, no dia do meu aniversário, eu prefiro imaginar que a minha resposta ainda está em construção. Até quando?

***

A conferir.

***

PS. Quer ajudar na manutenção do podcast? Compre seus gibis ou qualquer coisa por nossos links afiliados.

Links Afiliados