Faixa Bônus é um espaço dedicado a registros sobre assuntos variados, extras do último podcast, comentários sobre filmes, seriados, aquisições e leituras de novos ou velhos quadrinhos, enfim, de tudo, um pouco. Preparados?

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Em uma vida pré-pandemia, quando frequentava regularmente o cinema da minha cidade, já havia algum tempo que vinha percebendo a ausência de bons dramas entre as estreias da semana. Como se trata de um multiplex modesto, sem outras salas locais para fazer concorrência, não posso generalizar essa percepção, nem dá para fazer um contraponto seguro com outras cidades. Contudo, a experiência local deste que vos fala escreve era a de que nossas salas davam – e ainda dão – predileção a filmes infantis, blockbusters, comédias nacionais e algum horror modinha. O gênero drama havia sumido daqui, da projeção na telona, só que, por outro lado, ele jamais esteve tão vivo quanto está hoje em dia na televisão. Aliás, a telinha é a nova morada – ok, não tão nova – do drama e não sou eu que digo isso, é a Sra. Bahiana:

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Tuítes originais: 1234.

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Confesso que ainda não sei o que pensar sobre isso. Um mundo pós-pandemia ainda sequer foi gestado, e cá estou eu conjecturando se os espectadores ainda terão a chance de assistir ao próximo Sleepers fora de casa. O que sabemos, entretanto, é que se essa migração do drama para a televisão for para valer, e as premiações de cinema passarem a aceitar em definitivo a indicação de filmes exibidos exclusivamente por plataformas de streaming, a tendência é que esse gênero desapareça não apenas do meu cinema, mas do seu também.

Na verdade, grandes nomes da 7ª Arte já vêm fazendo essa travessia e brincam com a liberdade de entregar algo pouco convencional, material cujo tempo de tela desafiaria a capacidade das bexigas alheias ou até aqueles que já estão totalmente confortáveis com o meio e já jogam para ganhar dentro desse meio. Do lado de cá, da audiência, fico ruminando também se assistiria logo na première ao novo da Sofia Coppola, como fiz, quando entrou no catálogo Apple TV. Certamente que não; e há uma ironia em algum lugar aí, pois, sem a pressão da bilheteria e de todas as excruciantes formalidades que cercam o cinema ou, mais além, o mercado home video¹, o criador volta-se apenas para o essencial: a criação.

¹ O plot twist é que não estou preparado para um continuum espaço-tempo onde não poderei mais comprar o DVD/Blu-Ray de um filme que eu gosto. Ganha-se ali, perde acolá. É o jogo.

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Filme ruim muito bom! Dei umas boas risadas na cena da abordagem policial!

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Para o bem do drama, o drama também foi esquartejado e prolongado. Se me perguntarem, eu diria que desde Família Soprano, mas isso vai da cronologia pessoal de cada um. E como a Sra. Bahiana disse lá em cima, o “doce de coco” do momento é a minissérie; e acrescento, a “minissérie dramática”. Vi muitas durante nossa quarentena à brasileira, das quais destaco duas: 1) Contos do Loop [Tales From the Loop/Amazon Prime, 2020] – que rendeu um Escapistas à Capela; e 2) O Gambito da Rainha [The Queen’s Gambit/Netflix, 2020].

Ok. Foi a primeira coisa que fiz antes de tocar o play. Desconhecia o termo e sei bulhufas de Xadrez; aliás, sequer conheço as regras e o que cada peça pode fazer ou não no jogo. Mentira: lembro que o Cavalo pode fazer um “L” por conta da inicial do meu nome. Bom, de todo modo, isso é irrelevante para apreciar o feito de Anya Taylor-Joy e os showrunners Scott Frank e Allan Scott.

Trata-se da adaptação do romance homônimo, de Walter Tevis². O livro data de 1983 e traz consigo a experiência do escritor como enxadrista convertida na personagem ficcional Beth Harmon. O roteiro de Gambito circulava por Hollywood desde, praticamente, o lançamento do livro, e pelo que li por aí, teria sido o primeiro filme dirigido por Heath Ledger. Com a morte do ator, os planos de adaptação foram abortados até que a Netflix surgiu na jogada. E que jogada.

Na maior parte, a história é ambientada nos anos 1960, onde já vemos Beth como uma jovem adulta se destacando em torneios locais, regionais e mundo afora. Logo na primeira cena, a vemos acordar de uma noite de esbórnia na suíte de hotel em que está hospeda. Seu café da manhã? Duas pílulas de calmante e uns bons goles de tudo o que restava do barzinho do quarto. Veste-se às pressas, pega o elevador e corre para o saguão onde se encontra o campeão mundial de Xadrez, o russo Borov.

Antes de vermos o desenlace dessa partida, porém, a história volta alguns anos e passamos a conhecer melhor de onde vieram os vícios e virtudes de Beth. Eles vêm desde os seus nove anos de idade, quando perdeu a mãe num acidente de carro e passou a viver em um orfanato³. Um fato marcante: lá, ela fica fascinada pelo tabuleiro em que o zelador taciturno – Sr. Shaibel (Bill Camp) – passa horas a fio compenetrado, jogando algum jogo sozinho. Outro fato marcante: a instituição tem uma práxis pouco ortodoxa, isto é, fornece duas pílulas aos órfãos, uma de vitamina e outra de calmante.

Dos dias de almoxarifado com o Sr. Shaibel ao estrelato, jogando contra o campeão Borov.

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Os dois fatos marcantes se encontram: Shaibel aceita ensiná-la a jogar e Beth aprende que a melhor hora para tomar seu calmante é à noite. Por qual razão? O torpor lhe ajuda a focar e a jogar consigo própria. Seu raciocínio lógico-matemático, talvez herdado da falecida mãe, a transforma desde cedo numa enxadrista fria e impiedosa, que gosta de fulminar seus adversários em poucos movimentos.

O que acontece a seguir? Agora é contigo, mas antes de ir, duas coisas que me encantaram: 1) a minissérie em sete episódios tem ritmo [lento] e cinematografia que lembraram-me do compasso e a estética de Mad Men; 2) adorei a relação dos russos com o Xadrez, encarando-o como jogo colaborativo, um traço distintivo de DNA comunista, que faz deles enxadristas melhores, sobretudo quando se defrontam com oponentes individualistas – ou capitalistas.

² Walter Tevis tem crédito aqui nos Escapistas. Ele é o autor de A Cor do Dinheiro. Precisa dizer mais? ³ Nesse período, a protagonista é vivida, com igual maestria, pela jovem Isla Johnston. Sentia como se a Beth fosse, a qualquer momento, tomar um drink com a Peggy.

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Curioso que o mês de estreia de O Gambito da Rainha foi também…… o do mítico Os Novos Mutantes, também estrelado pela Srta. Joy, agora como Illyana Rasputin, ou “Magia”, para os mais íntimos.

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Contaminado com o mau-olhado do fiasco de X-Men: Fênix Negra, regravações, boataria, sucessivos adiamentos, venda da Fox e mais adiamentos por conta do Covid-19, o filme dos Novos Mutantes parecia uma bomba cujo timer zoado, teimava em não detoná-la. Pois bem. Tomei umas cervejas no domingo e, no lugar do almoço, sugeri a minha senhora que ela preparasse um arrumadinho para acompanhar. Fez e fez do jeito que gosto: bem temperado e com carne de charque saindo pelo ladrão.

De barriga cheia, deitei no sofá e liguei a televisão. Ia começar algum Velozes & Furiosos na Temperatura Máxima. Em vez disso, toquei o play em Os Novos Mutantes. Acredito que estava antecipando uma futura sessão nesse horário. Assim como o nosso [saboroso] arrumadinho, a produção de Josh Boone reúne com louvor todos os ingredientes para um bom filme ruim do Temperatura Máxima. Daqueles que assistimos no piloto automático depois de uma gelada gloriosa.

“- Mas é ou não uma bomba, Luwig?”

Claro! Mas não é uma daquelas bombas que arranca pedaços de você. Se o seu senso crítico estiver momentaneamente desativado, ou aditivado de Amstel e arrumadinho, pode até gostar. Eu acho que gostei.

Um pouco.

Ok.

Só um pouquinho, tá bom?!

“- Mas fala aí… O que você gostou?!”

Ok. Rapidinho, antes que esse texto fique longo demais e ninguém vá lê-lo. Gosto da premissa de existir uma instituição de triagem, quase um cruzamento entre casa de passagem e clínica psiquiátrica, que acolhe mutantes perigosos que acabaram de emergir ou descobrir seus poderes. Eles necessitam de um tratamento inicial para o convívio social mínimo, sem que, contudo, tragam risco para si ou para outrem.

No enredo, Sam “Míssil” Guhrie trabalhava numa mina de carvão ao lado do pai quando o campo de propulsão se ativou pela primeira vez. Matou todos os mineiros que ali estavam, incluindo seu velho. Roberto “Mancha Solar” da Costa incinerou a própria namorada. Rahne “Lupina” Sinclair e Illyana são as únicas com um domínio avançado de suas mutações; uma com poderes licantropos e a outra, além do teleporte, manifesta uma espada longa mística. A novata chama-se Danielle Moonstar, a única sobrevivente de sua reserva indígena, após um tornado F5 ter, supostamente, varrido sua aldeia. Dani ainda não sabe qual é o seu dom, mas nós gibizeiros sabemos e a uma das manifestações físicas dele é a ameaça nº1 do filme: o icônico Urso Místico.

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O CGI não é dos melhores, embora realmente ache que a piração para compor visualmente a criatura seria uma bronca pesada mesmo com dinheiro sobrando. A imensidão sem fim do bicho original, desenhado por Bill Sienkiewicz, era uma meta que, na minha opinião, só poderia ser alcançada tal qual como fizeram com o Rei do Crime na animação do Aranhaverso – inspirado no traço do próprio Bill em Demolidor: Amor e Guerra.

Na verdade, não tive a impressão que estava assistindo a um filme, uma obra de cinema, e sim a dois episódios acumulados de The Gifted ou Legion. E antes fosse, porque teria encaixado direitinho em ambos, principalmente no segundo… por motivos óbvios. No mais, as atuações são comprometidas pelo roteiro rasinho, mas acho que se tivessem chutado o balde e lançado diretamente numa plataforma de streaming, não tenho dúvidas que Novos Mutantes faria bonito no Top 10 da Netflix. Diabo… até o Lanterna Verde do Martin Campbell entrou nesse ranking do capeta.

E ainda esperam que brasileiro vai votar certinho nessa eleição.

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Sabe quem falou mais bonito sobre o Gambito e os Mutuninhas?! O Marlo Sousa, lá no blog A Era do Ócio. Vão lá e prestigiem.

[Atualizado em 10/11/2020] O Dogg parece que tomou a mesma breja que eu. Vejam lá no Black Zombie o que ele escreveu sobre Illyana & Cia.

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É isso. Próxima segunda, eu volto com mais textão.

 

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